
O Supremo Tribunal Federal (STF) só pretende discutir a validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid durante o julgamento dos réus acusados de participar da tentativa de golpe de Estado. A previsão é que isso ocorra no segundo semestre deste ano.
Integrantes da Corte tratam com cautela as mensagens trocadas entre Cid e um advogado envolvido no processo. Nos diálogos, o militar comenta detalhes da investigação da Polícia Federal (PF).
A avaliação preliminar dos ministros indica que o conteúdo das conversas não traz informações inéditas. Em março de 2024, a revista Veja já havia divulgado áudios em que Cid reclamava de suposta pressão da PF para entregar informações que desconhecia. Na época, ele também atacava o ministro Alexandre de Moraes e acabou preso.
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Mesmo diante desse episódio, o militar compareceu ao STF por três vezes. Em todas, reafirmou que sua colaboração ocorreu de forma espontânea e negou qualquer tipo de coação. Para os ministros, esse contexto praticamente elimina a chance de anular a delação, embora os benefícios concedidos possam ser reexaminados.
As conversas reveladas ocorreram entre Cid e o advogado Luiz Eduardo Kuntz, defensor do coronel da reserva Marcelo Câmara — ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL) e também réu no processo. Na quarta-feira 18, Moraes determinou a prisão de Câmara por suspeita de tentar atrapalhar as investigações.
Na decisão, Moraes apontou que as mensagens sugerem uma tentativa de obstrução. O ministro afirmou que Kuntz buscava informações sobre os depoimentos de Cid com a intenção de interferir no trabalho da PF. “São gravíssimas as condutas noticiadas nos autos, indicando, neste momento, a possível tentativa de obstrução da investigação, por Marcelo Costa Câmara e por seu advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz, que transbordou ilicitamente das obrigações legais de advogado”, disse Moraes.
Kuntz, ao se manifestar, declarou que não buscou Cid
Kuntz, ao se manifestar, declarou que não buscou Cid. Segundo ele, foi o próprio tenente-coronel quem o procurou. Os dois mantêm uma relação de amizade antiga, construída durante atividades de equitação.
O advogado decidiu registrar os diálogos em um Auto de Investigação Defensiva Criminal. Esse instrumento, criado pela OAB em 2018, permite que advogados reúnam provas para fortalecer a defesa de seus clientes. Kuntz explicou que abriu esse procedimento em setembro de 2023, por não ter acesso integral às informações do processo.
Ao jornal Folha de S.Paulo, ele afirmou que gravou todas as conversas desde o início. Justificou que essa prática, embora incomum, é legal, prevista e aceita na advocacia. “Esse auto não é muito comum, mas é totalmente previsto e não tem nada de irregular”, disse o advogado. “É previsto, lícito, legítimo, tudo dentro do combinado.”
O próprio Kuntz classificou o episódio como inusitado. Disse que estranhou a aproximação de um delator. Chegou a desconfiar que Cid pudesse estar cumprindo uma estratégia da Polícia Federal para produzir provas contra seu cliente.
O material ficou pronto em março de 2024, mas permaneceu guardado. Segundo o advogado, a escolha de não apresentar imediatamente se deu por estratégia processual.
No bastidor do Supremo, ministros desconfiam que Kuntz seja o interlocutor de Cid nos áudios divulgados pela Veja em março de 2024. As gravações mostram o militar desabafando contra a PF e acusando Moraes de já ter sua condenação definida.
A posição predominante no STF é de que o tribunal já validou o acordo de delação de Mauro Cid
A posição predominante no STF é de que o tribunal já validou o acordo de delação. Isso ocorreu quando Cid se retratou publicamente e confirmou que aderiu ao acordo sem sofrer qualquer pressão. Mesmo assim, ministros reconhecem que o teor das conversas ainda será objeto de análise.
O ambiente jurídico em torno de Cid é considerado frágil e sensível. A prisão decretada por Moraes na madrugada de sexta-feira 13, deixou isso evidente. A ordem saiu por volta de 1h e foi revogada horas depois.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustentou que Cid planejava fugir do país com auxílio do ex-ministro Gilson Machado. A manobra, segundo a PGR, tinha como objetivo escapar de uma possível condenação no processo sobre a trama golpista.
Moraes voltou atrás antes das 5h. Policiais federais já se encontravam na casa de Cid, no Setor Militar Urbano, em Brasília, quando receberam a ordem de suspensão da prisão. Mesmo assim, cumpriram mandados de busca e levaram o militar para depor.