“Não vou permitir circo no meu tribunal” — vociferou o suposto magistrado. Tarde demais: ao tratar como propriedade particular sua um espaço público formalmente destinado à administração da justiça, o autocrata converteu-o automaticamente de tribunal em circo. Portanto, o sentido real do que foi expresso em novilíngua tirânica é precisamente o inverso: “Não vou permitir justiça no meu circo”.

Claro está que falamos de um circo de horrores, no sentido romano de Circo Máximo. Melhor ainda: no sentido do circo judiciário montado por Stalin em seus famosos “julgamentos-espetáculo” (show trial, em inglês). Com efeito, o termo foi usado pela primeira vez justamente por jornalistas que cobriam os julgamentos stalinistas em Moscou.

A expressão deriva do russo pokazatel’nyi protsess, que pode ser traduzido tanto como “julgamento demonstrativo” quanto como “julgamento-espetáculo”. Esse uso original carregava dois significados simultâneos: o tribunal como um espaço didático (concebido para transmitir uma lição) e como um espaço teatral (um espaço para espetáculos).

O julgamento espetáculo é um instrumento de propaganda do terror político. Seu objetivo é personificar um inimigo político abstrato, colocá-lo no banco dos réus em carne e osso e, com o auxílio de um sistema judicial corrompido, transformar diferenças político-ideológicas abstratas em crimes comuns facilmente compreensíveis. Ele incita as massas contra o mal personificado pelos acusados e as afasta do apoio a qualquer oposição potencial. As “provas” contra o acusado são preparadas por meio da extração forçada de depoimentos e confissões falsas.

Nas palavras do historiador americano David M. Crowe:

“Os ‘julgamentos-espetáculo’, procedimentos extralegais que guardavam apenas uma semelhança superficial com os julgamentos tradicionais de estilo ocidental, eram cuidadosamente encenados para convencer o público da gravidade dessas ameaças (…) Envolvidos por uma fachada de legalidade, os ‘julgamentos-espetáculo’ eram exercícios de propaganda cuidadosamente elaborados, concebidos em parte para mobilizar a nação em apoio aos objetivos de Stalin”.

Retrato de Joseph Stalin | Foto: Prachaya Roekdeethaweesab/Shutterstock

Isso é precisamente o que estamos testemunhando no Brasil em 2025, como temos visto com clareza nos últimos dias. O processo referente à pretensa trama golpista que culminou no 8 de janeiro de 2023 é nada mais nada menos que isto: um exercício de propaganda cuidadosamente elaborado em vistas dos objetivos do suposto magistrado e seus aliados políticos, objetivos, aliás, abertamente confessados (“derrotar o bolsonarismo” e “enfrentar a extrema direita populista” sendo os mais comuns). “O partido está morto; não pode se mover nem respirar, mas seus cabelos e unhas continuam a crescer” — diz Rubashov, protagonista de O Zero e o Infinito, obra-prima literária de Arthur Koestler cujo tema é precisamente o circo judiciário stalinista. Adaptando ao contexto brasileiro, poder-se-ia dizer que a Nova República (ou a República tucanopetista) está morta, mas que seus cabelos e unhas continuam a crescer por meio da teatralização permanente da defesa da democracia contra o espectro do “golpe militar”. Se o fantasma de 1964 existe — e para isso serve a sua incansável produção circense —, tudo é permitido.

Leia também: “A farsa legal escancarada”, reportagem publicada na Edição 270 da Revista Oeste

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