
A articulação internacional liderada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com parlamentares republicanos dos Estados Unidos tem desempenhado um papel central na crescente pressão contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O relacionamento construído ao longo dos últimos anos com figuras influentes do Congresso americano não apenas fortaleceu a posição da direita brasileira no exterior, como também contribuiu para que o governo dos EUA passasse a avaliar formalmente a possibilidade de impor sanções ao magistrado.
Nesta quarta-feira (28), o Departamento de Estado dos Estados Unidos afirmou que restrições de visto serão anunciadas contra autoridades estrangeiras que são “cúmplices de censura a americanos”. “Por muito tempo, americanos foram multados, assediados e até processados por autoridades estrangeiras por exercerem seu direito à liberdade de expressão”, disse Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA. Apesar de não citar Moraes, a perspectiva é de que o magistrado brasileiro possa ser atingido.
Mas quem são os parlamentares americanos que articulam com o deputado brasileiro?
Marco Rubio
De origem cubana, Rubio atuou como presidente da Câmara dos Representantes da Flórida entre 2000 e 2008, órgão equivalente às Assembleias Legislativas no Brasil. Em 2010, conquistou uma cadeira no Senado dos EUA, onde permaneceu até 2025.
Em 2018, Eduardo Bolsonaro comentou em uma postagem: “Satisfação conhecer ontem rapidamente o senador Marco Rubio (Rep.-Florida), que tem destacada atuação em temas latino-americanos como a defesa dos direitos humanos na Venezuela.”
Rubio já era influente em política externa, tendo integrado o Comitê de Relações Exteriores e o Comitê de Inteligência da Câmara, mas chegou ao posto máximo da política externa americana, da Secretaria de Estado, no atual governo Trump.
Como Rubio é especialista em América Latina, sua escolha para o cargo levantou esperanças na direita de que a região passaria a receber sob Trump uma atenção que não teve em governos anteriores.
O Secretário de Estado americano tem concentrado esforços principalmente em outras questões internacionais, tais como as tarifas de comércio internacional de Trump e as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Apesar disso, cresce a expectativa de que ele encontre tempo para cuidar pessoalmente das relações dos EUA com países da América do Sul não apenas para conter imigração ilegal e tráfico de drogas.
Chris Smith
Representante de Nova Jersey, Smith é um dos deputados mais longevos no Congresso americano, eleito em 1980 e atualmente em seu 23º mandato de dois anos. É também um dos membros mais antigos do Comitê de Relações Exteriores da Câmara. Em junho de 2024, enviou uma carta oficial ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, expressando preocupação com supostas violações de liberdades civis e censura à imprensa, exigindo esclarecimentos em dez dias.
Cory Mills
Eleito em 2022 pela Flórida, Mills integra o grupo de 100 parlamentares veteranos de guerra, com nove anos de serviço no Afeganistão e sete no Iraque (1999-2015). Atua nos Comitês de Relações Exteriores e Serviços Armados da Câmara. Durante uma audiência, questionou o então senador e atual secretário de Estado, Marco Rubio, sobre a possibilidade de aplicar sanções ao ministro Alexandre de Moraes com base na Lei Global Magnitsky — legislação que permite ao governo americano punir autoridades estrangeiras envolvidas em corrupção ou abusos graves de direitos humanos.
Maria Elvira Salazar
Filha de exilados cubanos, Maria Elvira Salazar construiu uma premiada carreira no jornalismo, colecionando cinco prêmios Emmy. Trabalhou em redes como Telemundo, Univision, AmericaTeVé, MegaTV e CNN en Español. Eleita em 2020, preside a Subcomissão do Hemisfério Ocidental e integra a Comissão de Serviços Financeiros da Câmara, ligada ao Comitê de Relações Exteriores.
Após a divulgação dos Twitter Files — série de documentos internos do Twitter que revelaram pedidos de remoção de conteúdo por autoridades brasileiras —, criticou duramente o Judiciário e integrou a comitiva que recebeu Eduardo Bolsonaro em Washington. Nesta quinta-feira (29), afirmou que a decisão dos EUA de restringir vistos a estrangeiros envolvidos em atos de censura é um “claro aviso” a Moraes.
Brian Mast
Atual presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, Mast serviu o Exército por 12 anos (2000-2012). Ele sofreu a amputação das duas pernas após uma explosão no Afeganistão, mas continuou atuando como especialista em explosivos para o Departamento de Segurança Interna dos EUA. Foi eleito deputado em 2016 e reeleito em 2022.
Outras personalidades também contribuíram para que Eduardo Bolsonaro tivesse voz nos Estados Unidos, como o ex-estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon. Em janeiro deste ano, ele disse acreditar que o deputado paulista será presidente do Brasil, “em um futuro não tão distante”. A afirmação foi dada em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Considerado uma das vozes mais importantes da direita mundial, Bannon teve papel central na eleição de Trump em 2016.
Oposição brasileira terá que navegar pela indústria do lobby de sanções nos EUA
Além da articulação do governo brasileiro para evitar as sanções por meio da diplomacia do Itamaraty, a oposição também disputa espaço no pesado cenário de lobby por sanções junto às autoridades americanas. A prática consiste em empresas e governos contratarem ex-membros do governo americano e figuras influentes para convencer parlamentares e membros da administração Trump a implementar ou retirar sanções impostas a indivíduos ou países.
Nos Estados Unidos a atividade de lobby político é legalizada. A direita brasileira ligada a Eduardo Bolsonaro posiciona sua atividade política no país como defesa direta dos direitos humanos – especialmente porque não há notícias de que o deputado licenciado tenha contratado intermediários para fazer aproximação política.
Mas ele compete pela atenção das mesmas autoridades que são alvo de uma atividade lobista que movimenta milhões de dólares anualmente. Dados do Departamento de Justiça dos EUA, apurados pelo jornal The Washington Post, mostram que o lobby estrangeiro relacionado a sanções aumentou de US$ 6 milhões, em 2014, para pelo menos US$ 31 milhões em 2022, último ano para o qual há registros completos disponíveis. No caso do lobby local, feito por empresas nacionais, a cifra chegou a US$ 353 milhões no mesmo ano.
Questionado sobre como a oposição pretende agir diante desse cenário, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDEN), acredita que os Estados Unidos estão atentos às violações de direitos humanos ocorridas no Brasil. Para ele, as ações de Moraes afetam a jurisdição americana, o que pode dar mais destaque às reivindicações da oposição.
“Existe um contexto de violação de direitos humanos e, portanto, de violação a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. É com base nisso que os Estados Unidos estão com um olhar muito atento ao que acontece aqui. Me parece que as autoridades norte-americanas estão convencidas de que várias decisões do ministro Alexandre de Moraes afetam diretamente a jurisdição dos Estados Unidos”, disse o deputado em entrevista à Gazeta do Povo.
A ação política de Eduardo Bolsonaro também é favorecida pelo fato de que Alexandre de Moraes enfrentou o bilionário Elon Musk no caso de censura de sua rede social X pelo magistrado brasileiro. Embora Musk tenha deixado o governo Trump nesta semana para voltar a se dedicar às suas empresas, ele deixou muitos de seus aliados e ex-funcionários em órgãos estratégicos do governo. Em uma cerimônia de despedida nesta sexta-feira, Trump disse que Musk não está realmente saindo e que vai ficar “indo e voltando” para a Casa Branca.
Relação com Trump foi essencial para a projeção internacional de Eduardo Bolsonaro
Mas a peça-chave para se entender a influência de Eduardo é sua relação com a família Trump. O encontro entre Jair Bolsonaro e Trump, em março de 2020, por exemplo, foi precedido por meses de articulação do deputado com autoridades americanas e membros do partido Republicano.
No ano anterior, Eduardo Bolsonaro visitou Trump na companhia do então secretário de Estado Mike Pompeo. Também participaram da reunião Ernesto Araújo, que foi ministro de Relações Exteriores da gestão Bolsonaro, e o ex-assessor da Presidência Filipe Martins. O encontro foi visto como preparativo para a futura reunião entre os presidentes.
Devido à proximidade com Trump, Eduardo Bolsonaro chegou a ser cotado para ocupar a embaixada do Brasil em Washington e chegou a receber o agrément — sinal verde do governo americano para a nomeação. No entanto, a indicação gerou resistência no Itamaraty, levando Bolsonaro a optar pelo diplomata Nestor Forster.
A derrota de Trump para Joe Biden, em 2020, levantou dúvidas sobre o futuro da relação entre a direita brasileira e os EUA. Ainda assim, Eduardo Bolsonaro manteve a interlocução com aliados do ex-presidente. Em janeiro de 2021, dias antes da posse de Biden, o deputado visitou a Casa Branca a convite de Ivanka Trump, filha de Trump. No mesmo ano, o deputado licenciado convidou Donald Trump Jr. para o CPAC (sigla em inglês para Conferência de Ação Política Conservadora), mas ele não compareceu. Em 2022, Eduardo visitou Trump em seu resort em Mar-a-Lago, na Flórida, após a vitória de Lula nas eleições.
CPACs contribuíram para articulação internacional de Eduardo Bolsonaro
A realização da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) no Brasil exemplifica o início de uma articulação consistente entre Eduardo Bolsonaro e interlocutores americanos.
Em março de 2019, Eduardo e o então assessor Filipe Martins se reuniram com Matt Schlapp, presidente da American Conservative Union (ACU), e Dan Schneider, diretor-executivo da organização, para trazer o evento ao Brasil. O bom relacionamento garantiu que a Fundação Indigo, então ligada ao PSL, organizasse a primeira edição em setembro daquele ano.
A criação do Instituto Liberal Conservador (ILC), em 2020, foi outro marco na aproximação com a direita internacional. Inspirado em think tanks americanos como a Heritage Foundation — uma das principais instituições conservadoras do mundo —, Eduardo Bolsonaro e o empresário Sérgio Sant’Ana fundaram o ILC para dar continuidade ao CPAC no Brasil.
As edições seguintes contaram com a presença de nomes relevantes da política internacional. Em 2021, participaram Charlie Gerow, então pré-candidato ao governo da Pensilvânia; Jason Miller, fundador da rede social Gettr; o congressista Mark E. Green; e a senadora colombiana María Cabal Molina. Em 2022, estiveram presentes o chileno José Antonio Kast, ex-deputado e ex-candidato a presidente do Chile, e o argentino Javier Milei, que retornou ao evento em 2024 já como presidente da Argentina.
Deputado lidera oposição a Lula no exterior
Desde a derrota de Jair Bolsonaro em 2022, Eduardo Bolsonaro passou a liderar comitivas internacionais para denunciar o que considera abusos do STF e do ministro Alexandre de Moraes. No último ano, o deputado intensificou as ações no exterior, com foco em casos como os inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e o Twitter Files Brasil.
A visita ao Capitólio, em Washington, em maio de 2024, teve como objetivo apresentar essas denúncias a autoridades americanas. A comitiva brasileira assistiu a uma sessão da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara dos Representantes sobre o tema “Brasil: a crise da democracia, liberdade e do Estado de Direito?”. Os parlamentares foram recebidos pelo deputado Chris Smith, presidente da Subcomissão Global de Direitos Humanos e crítico da atuação de Moraes.
Eduardo Bolsonaro também esteve no Parlamento Europeu, em Bruxelas, com parlamentares do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR). A reunião teve como pauta denúncias de violações à liberdade de expressão e perseguições políticas no Brasil.
Na véspera da posse de Trump como presidente dos EUA, em 20 de janeiro de 2025, Eduardo Bolsonaro e outros congressistas se reuniram com Jim Pfaff, conselheiro de Trump e presidente da organização conservadora The Conservative Caucus. Segundo ele, a entidade fará “tudo o que estiver ao seu alcance” para apoiar a oposição brasileira.