
O ministro Alexandre de Moraes deve manter aberto o inquérito das milícias digitais ao longo de 2026. O futuro da investigação tem gerado debates dentro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Moraes defende a prorrogação do inquérito com o argumento de que o cenário político no próximo ano será conturbado, com o fim do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no caso da suposta tentativa de golpe de Estado e a realização das eleições presidenciais.
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A percepção majoritária é de que o tribunal caminha para consolidar uma posição contrária ao encerramento das investigações, mesmo em meio a pressões internas para que o inquérito fosse concluído. A apuração é do jornal Folha de S.Paulo, que ouviu sete ministros da Corte, advogados com trânsito no STF e interlocutores de Moraes.
O termo “milícia digital” foi criado como uma alusão pejorativa aos apoiadores mais ferrenhos do Bolsonaro, na insinuação recorrente de que estariam ligados às milícias do Rio. O fato de ser usado escancaradamente pelo STF já é em si prova da falta de igualdade de tratamento. É…
— Eli Vieira (@EliVieiraJr) April 23, 2024
Instaurado em julho de 2021, no mesmo dia em que Moraes arquivou o chamado inquérito dos atos antidemocráticos, o inquérito das milícias digitais apura a existência de uma organização criminosa com atuação digital, estruturada em núcleos responsáveis por produção, financiamento, divulgação e uso político da desinformação contra a democracia.
Com escopo semelhante ao do inquérito das fake news, aberto em 2019 para investigar críticas ao Supremo e seus ministros, a apuração sobre as milícias digitais se expandiu de maneira expressiva.
Inicialmente centrada em aliados de Bolsonaro, a investigação revelou conexões do jornalista Allan dos Santos com figuras próximas ao Planalto e se desdobrou em outros casos, como uma suposta tentativa de golpe para impedir a posse de Lula, a venda de joias recebidas por autoridades estrangeiras e a falsificação de cartões de vacinação contra a Covid-19.


Até Elon Musk tornou-se alvo, em abril de 2024. Ele foi investigado por suposta “dolosa instrumentalização criminosa da rede social X” .
Ministros mudam de ideia sobre prorrogação
Nos últimos meses, a posição de ministros sobre a continuidade da apuração sofreu mudanças. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que anteriormente defendia o encerramento dos inquéritos das fake news e das milícias digitais e dizia ser contrário à perpetuação de investigações, passou a justificar a demora.
“Eu não saberia precisar uma data, não gostaria de me comprometer com uma data, mas acho que nós não estamos distantes do encerramento porque o procurador-geral da República já está recebendo o material”, disse à Folha em agosto passado. “Caberá a ele pedir o arquivamento ou fazer a denúncia.”
Quatro meses depois da declaração, Barroso parecia ter mudado de ideia. “O inquérito está demorando porque os fatos se multiplicaram ao longo do tempo”, afirmou.
Detalhe: O inquérito das “milícias digitais” foi aberto pelo próprio relator para continuar com o inquérito dos “atos antidemocráticos”.
O inquérito dos “atos antidemocráticos” foi DEMOLIDO pela PGR, que mostrou que a PF DESVIRTUOU o objetivo original e não chegou a lugar nenhum. https://t.co/DbLpTRnb7D pic.twitter.com/LijrfQZBt5— Enio Viterbo (@EnioViterbo) January 24, 2024
Barroso integra um grupo de ministros que considera a manutenção dos inquéritos essencial para conter radicalismos e proteger a democracia. Interlocutores de Moraes também apontam como fatores relevantes a proximidade das eleições de 2026 — que estarão sob responsabilidade de Kassio Nunes Marques no Tribunal Superior Eleitoral.
Integrantes do STF acreditam que o ministro não vai se empenhar para “o combate à desinformação” igual a Moraes e Cármen Lúcia.
Há também ministros com a ideia de que uma eventual condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado pode causar uma efervescência de apoiadores radicais, com ataques ao Supremo. Além disso, o fato de investigados estarem foragidos, como Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio, reforçaria a necessidade de continuar a investigação.
Há ainda quem defenda que o inquérito poderá servir como instrumento de pressão em eventual confronto diplomático, caso o governo Donald Trump retorne e adote sanções contra autoridades brasileiras — ainda que essa hipótese seja considerada remota.


Moraes prorrogou inquérito 11 vezes
Durante o julgamento em que a Primeira Turma do STF aceitou a denúncia sobre a suposta tentativa de golpe, Moraes afirmou que as milícias digitais seguem ativas e buscam manipular trechos de julgamentos para atacar o Judiciário.
“Nós sabemos que as milícias digitais continuam atuando, inclusive durante esse julgamento, tentando pegar trechos para montar”, declarou o ministro. “Porque a especialidade dessas milícias digitais é na produção e distribuição de fake news, para tentativa de intimidar o Poder Judiciário.”
Desde sua criação, o inquérito foi prorrogado 11 vezes por Moraes e está sob responsabilidade da Diretoria de Inteligência Policial da PF, que conduz as apurações sobre Bolsonaro e seus aliados.
INQUÉRITO COM COMEÇO, MAS SEM MEIO E FIM. ATÉ QUANDO?
Recebemos com muita revolta mais uma prorrogação do tal “inquérito das milícias digitais”, que reúne uma série de “investigações” contra Bolsonaro e aliados. Instaurado em julho de 2021 para supostamente apurar “atentados… pic.twitter.com/FUf2ZgFqEl
— Júlia Zanatta (@apropriajulia) June 11, 2024
A última prorrogação foi em junho de 2024, mas o inquérito teve pouca movimentação no ano anterior. Moraes negou pedidos de compartilhamento de informações e indeferiu requisições pontuais. O prazo mais recente venceu em 27 de março. Um dia antes, a Polícia Federal solicitou nova extensão para concluir diligências, com o aval da Procuradoria-Geral da República.
“Imprescindível, por fim, que se aguarde a conclusão das medidas enumeradas como faltantes pela autoridade policial, além de outras que possam delas serem reflexas, para possibilitar um juízo adicional e mais abrangente sobre os fatos investigados, mostrando-se adequada a continuidade da colheita de elementos de informação”, afirmou o procurador-geral Paulo Gonet, em 29 de abril.
Moraes ainda não se manifestou nos autos sobre a nova prorrogação. Enquanto isso, o inquérito segue parado, à espera de decisão.