
Apontada como uma alternativa para a sucessão de Jair Bolsonaro nas eleições de 2026, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro desponta como nome viável dentro do Partido Liberal (PL), diante da inelegibilidade do ex-presidente e da eventual candidatura à reeleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mais do que esposa do ex-mandatário, Michelle, atual presidente do PL Mulher, consolidou-se como um ativo político capaz de agregar dois segmentos estratégicos da direita brasileira: o voto evangélico e o voto feminino.
Durante o mandato de Bolsonaro, Michelle adotou postura discreta e atuava principalmente em causas sociais, como a defesa da população surda. Quase três anos após deixar o Palácio da Alvorada, ela já aparece tecnicamente empatada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em pesquisa eleitoral divulgada recentemente pelo instituto Paraná Pesquisas.
Segundo levantamento, divulgado em abril, Lula tem 33,7% das intenções de voto, contra 31,7% de Michelle. Como a margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, os dois estão em empate técnico.
Apesar de outros nomes da direita surgirem como possíveis presidenciáveis – como os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Romeu Zema (Minas Gerais) -, aliados de Bolsonaro avaliam que a escolha deve recair sobre alguém que carregue o “sobrenome” do ex-presidente na urna eletrônica.
Nos bastidores, interlocutores próximos afirmam que o plano inicial seria lançar Michelle ao Senado. No entanto, o capital político que ela vem acumulando não deve ser ignorado pelo PL e pelo próprio Bolsonaro no próximo ano.
Por outro lado, uma eventual candidatura ao Planalto poderá enfrentar resistências internas. Conversas vazadas entre o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo, revelam críticas à ex-primeira-dama. Em 27 de janeiro de 2023, ao comentar a possibilidade de Michelle ser candidata, Cid afirmou: “Prefiro o Lula”. Wajngarten respondeu: “Idem”. Com a repercussão, Wajngarten foi demitido pelo Partido Liberal (PL) na terça-feira (20).
Para o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, Michelle inicia com vantagem em segmentos estratégicos, mas precisará romper a bolha dos apoiadores de Bolsonaro. “Ela começa com apoio consistente entre evangélicos e mulheres conservadoras, especialmente se contar com o endosso direto de Jair Bolsonaro”, afirma.
Arruda destaca, no entanto, que essa base não garante vitória em uma eleição nacional. “O desafio será ampliar a interlocução com o eleitorado de centro-direita moderada, o empresariado e os jovens urbanos. Para isso, ela terá de ajustar o discurso — sem abandonar a identidade conservadora, mas sinalizando compromisso com temas como estabilidade institucional, desenvolvimento econômico e políticas públicas pragmáticas”, salienta.
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Desde que saiu da presidência, Bolsonaro tem alternado entre sugerir a candidatura da ex-primeira-dama e demonstrar dúvidas sobre a disposição dela para enfrentar uma campanha presidencial. “Ela não quer”, disse o ex-mandatário em 2023. Bolsonaro também já defendeu a candidatura de Michelle ao Senado.
Por outro lado, Bolsonaro admite que, se Michelle for eleita, pretende ocupar um cargo-chave em seu eventual governo: o comando da Casa Civil. “A ideia é botar ela como presidente e eu na Casa Civil. Daí eu fico atrás ajudando ela em tudo. Quem manda sou eu”, disse em entrevista à CNN em janeiro deste ano.
Parte do entorno político aposta na ex-primeira-dama como principal ativo eleitoral do Partido Liberal. Um dos exemplos é o pastor Silas Malafaia, que criticou o ex-presidente Michel Temer por não mencionar Michelle entre os possíveis presidenciáveis. “É um desrespeito com uma das principais lideranças do campo conservador”, afirmou. Temer vem tentando articular possíveis candidatos de centro-direita para 2026.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o nome de Michelle Bolsonaro ganha relevância no cenário político nacional à medida que cresce a percepção de que Bolsonaro pode não disputar a Presidência em 2026. “Eu acho que Michelle é uma opção para a família Bolsonaro, caso algum nível de entendimento com outros partidos da direita, sobre algum candidato, não avance”, avalia.
Segundo Cerqueira, mesmo que a candidatura não se concretize, o simples fortalecimento do nome de Michelle já exerce impacto nas articulações políticas. “O nome dela hoje está se reforçando, seja como uma alternativa real de candidatura, seja como instrumento de negociação. Bolsonaro pode usá-la para pressionar os demais partidos e demonstrar a importância da família nas eleições do ano que vem.”
Arruda também chama atenção para a mudança de postura da ex-primeira-dama. “Ela deixou de ser apenas uma figura simbólica da campanha e passou a atuar de forma mais ativa. Isso mostra disposição, mas também a expõe ao desgaste natural da política — algo que ela evitava até então.”
A análise de Arruda segue na esteira de uma mudança de posicionamento feita por Michelle. Na manifestação da Avenida Paulista (SP), em abril, a ex-primeira-dama surpreendeu ao receber no trio elétrico o candomblecista Sérgio Pina, que ganhou certa notoriedade nos últimos anos por orientar espiritualmente a cantora Anitta. “Todos juntos em prol da liberdade da nossa ação. Homens e mulheres de bem lutando pelo nosso Brasil. Obrigada por ter vindo, Sergio”, disse Michelle.
Caso Débora e pauta da anistia fortalecem conexão com a base
Michelle Bolsonaro também ganhou projeção por sua atuação na defesa da anistia aos presos pelos atos do 8 de janeiro de 2023. Em meio a manifestações e articulações políticas, ela se tornou uma das principais vozes do movimento, usando sua imagem pública para dar visibilidade à pauta — em especial ao caso de Débora, cabeleireira que se tornou símbolo entre os apoiadores conservadores.
A ex-primeira-dama tem participado ativamente de eventos e campanhas que pedem a libertação dos detidos, com forte apelo ao público feminino. Um dos marcos dessa mobilização foi a adoção do batom como símbolo de resistência — usado por mulheres em protestos e redes sociais como forma de solidariedade às presas.
Na manifestação de 7 de maio, em Brasília, Michelle agradeceu publicamente ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, por seu voto favorável à liberdade de Débora. O gesto foi interpretado como um movimento para se posicionar no debate sobre a anistia, marcando território também no campo institucional.
Atuação nas eleições municipais ampliou visibilidade de Michelle
À frente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro assumiu papel estratégico nas eleições municipais, tornando-se uma das principais vozes do conservadorismo feminino no país. Sua atuação envolveu viagens, articulações e discursos em eventos locais, como no Rio Grande do Sul, para apoiar candidaturas alinhadas aos valores do partido — com foco especial no público feminino.
Na época, ela participou de agendas em Porto Alegre, Canoas, Caxias do Sul e Pelotas. O convite partiu do deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) e da presidente do PL Mulher RS, Adriane Cerini.
Ela também realizou agendas em outras oito capitais. No primeiro turno, seis candidatos do PL que tiveram eventos com a ex-primeira-dama foram para o 2° turno. Foram eles: Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte (MG); Fred Rodrigues (PL), em Goiânia (GO); Delegado Eder Mauro (PL), em Belém (PA); Marcelo Queiroga (PL), em João Pessoa (PB); Mariana Carvalho (União Brasil), em Porto Velho (RO); e Capitão Alberto Neto (PL), em Manaus (AM).
Outros dois candidatos que fizeram agendas com Michelle garantiram a reeleição no primeiro turno. Tião Bocalom (PL), em Rio Branco (AC), e Topázio Neto (PSD), em Florianópolis (SC).
Além da mobilização, Michelle impôs diretrizes claras ao segmento feminino da legenda: proibiu coligações do PL Mulher com partidos de esquerda, reforçando a identidade conservadora da sigla. A medida foi interpretada como uma tentativa de blindar o partido de contradições internas e garantir coesão ideológica.
Metodologia
O Paraná Pesquisas ouviu 2.020 pessoas, em 160 municípios de 26 estados e do Distrito Federal, entre os dias 16 e 19 de abril. A margem de erro geral é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.