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Lula ainda pauta Congresso apesar de não ter maioria parlamentar

A impopularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que registra os piores índices de aprovação em três mandatos, e a sua permanente falta de maioria parlamentar na Câmara não têm impedido o avanço das pautas populistas do governo no Congresso, que atraem apoio até da oposição em alguns casos.

Apesar da atual crise nas contas públicas, a principal agenda do Palácio do Planalto para 2025 – aprovar o projeto que isenta de imposto de renda os salários de até R$ 5 mil, uma renúncia fiscal de R$ 27 bilhões anuais – deverá ser aprovada com folga, tal qual foi o recente reajuste salarial de servidores.

Segundo analistas, a contradição deve-se a matérias que rendem dividendo eleitoral e levam ao “consenso emocional” de quase todo o plenário. De baixa rejeição, essas iniciativas visam benefícios sociais, renúncias fiscais e cerco a fraudes como as do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Com olhar já voltado para as eleições de 2026, parlamentares tendem então a concentrar os esforços naquilo que repercuta mais significativamente em suas bases ou que convirja para composições políticas, reduzindo o tempo dedicado às atividades legislativas consideradas complexas ou incertas.

Apesar da falta de maioria parlamentar, Lula ainda manobra Congresso

Embora tenha menos controle sobre o Orçamento, o governo ainda pauta o Congresso graças a uma combinação de fatores, sendo o maior deles o fato de a oposição não querer parecer insensível às demandas populares. Lula, por sua vez, se fortalece ao propor medidas que parecem “resolver” problemas.

“Mesmo o Congresso já tendo dado muitas provas sobre a sua relutância em colaborar com o governo, a maioria dos parlamentares irá aprovar projetos essenciais para a reeleição de Lula. Esse é o novo paradoxo da política brasileira”, comenta Leonardo Barreto, diretor da Think Policy.

O cientista político lembra que os congressistas já percebem que aprovarão a desoneração de uma faixa dos pagadores do imposto de renda, mesmo sabendo que Lula será o maior beneficiado pela medida, “O presidente vai reclamar para si todos os créditos pelo alívio a ser dado à classe média baixa”, pontua ele.

Além disso, Barreto lembra que os parlamentares é que terão que definir como será feita a compensação do IR, provavelmente com o aumento de tributo. “Isso ocorre porque, apesar do discurso, o Legislativo não consegue fazer com que o Executivo corte despesas. Nem perto disso”, sublinha.

O deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, se posicionou sobre o tema reafirmando uma declaração do relator da matéria, Arthur Lira (PP-AL), de que é necessário haver uma contrapartida para a isenção. Mas o governo está preocupado em gastar e não em cortar gastos, segundo Zucco.

“Seria maravilhoso se não trouxesse consequências. Qual é a contrapartida? Na hora de votar provavelmente teria os votos. O problema é que os municípios e estados arrecadam em função de imposto de renda. Estamos falando de uma perda de arrecadação de municípios em torno de R$ 5 bilhões, uma perda de arrecadação de estados em torno de R$ 1 bilhão e aí as necessidades básicas de saúde, segurança e educação também vão cair. É um governo populista, é um governo desorganizado. Aquece a economia por um lado e prejudica a gestão de outro”, afirmou Zucco ao ser questionado pela Gazeta do Povo em entrevista no programa Arena Oeste, na quinta-feira (29).

Lula ainda consegue manobrar recursos do Orçamento para alvos eleitorais

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, o presidente Lula ainda tem um certo poder de barganha, embora limitado, para aprovar projetos de seu interesse no Congresso usando a ferramenta da liberação para parlamentares de emendas ao Orçamento.

Em seus dois primeiros mandatos, Lula conseguia aprovar pautas distribuindo cargos, ministérios e principalmente emendas parlamentares. Elas possibilitam que deputados e senadores enviem recursos para projetos e obras em seus estados, o que aumenta suas chances de reeleição. A liberação dessas verbas era uma prerrogativa do presidente.

Desde 2019, o Congresso vem ganhando mais autonomia e volume de verbas de emendas de Orçamento. O pagamento delas passou a ser obrigatório, o que reduziu a dependência dos parlamentares em relação ao Executivo e a capacidade do presidente de angariar apoio barganhando a liberação de emendas.

Por isso, com menos capacidade de aprovar leis de interesse específico da esquerda em seu terceiro mandato, Lula passou a investir em pautas nas quais “votar com o governo” é uma forma de evitar desgaste político ou capturar bônus.

A escolha do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) como relator da desoneração do IR prova isso. Político do Centrão experiente e muito influente na Casa, o deputado foi escolhido pelo governo tanto como forma de acelerar a tramitação do projeto, facilitando consensos. O andamento do projeto também serve aos projetos pessoais do próprio Lira, que quer se eleger senador em 2026.

Outros exemplos desse tipo de pauta com forte viés eleitoreiro são projetos do Vale Gás e da isenção de tarifa da energia elétrica para pessoas listadas no Cadastro Único. Para as duas, o governo busca formas de garantir seu financiamento, seja abrindo espaço no Orçamento, seja acessando outras fontes de recursos. A primeira prevê a distribuição gratuita de botijões de gás para a população de baixa renda, a segunda amplia drasticamente o número de famílias beneficiadas pela chamada tarifa social da conta de luz, sustentada por subsídios pagos pela população em geral.

Outra pauta que pode entrar na classificação de populista é a tentativa do governo de remediar o escândalo dos desvios de dinheiro de contas de aposentados do INSS. A saída encontrada também deve envolver recursos públicos. Conforme vem defendendo o governo, o saldo de bilhões de reais descontados de aposentadorias e pensões deveria ser coberto não por valores resgatados dos fraudadores, mas pelo caixa federal. Esse esforço poderia incluir parte das verbas de emendas parlamentares, algo rechaçado pela maioria dos congressistas.

Lula teve reduzida sua capacidade de barganha com emendas de orçamento, mas não a perdeu totalmente. Isso porque, apesar da pressão da oposição, não foi aprovado um calendário obrigatório de pagamento das emendas. Isso porque o Congresso manteve o veto de Lula contra a medida que fixou cronograma obrigatório para essas despesas, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.

Assim, o Executivo consegue condicionar a antecipação da liberação do dinheiro a apoio em votações no Congresso. Ou seja, sem poder mexer com os recursos dos parlamentares, o governo gerencia o prazo da execução.

Enquanto prefeitos cobram recursos no Congresso, Lula criou também o orçamento paralelo na saúde para ajudar aliados. Por meio de manobras de orçamento e obrigatoriedade de valores mínimos de emendas de comissão para o setor, o governo consegue reservar verbas para o Ministério da Saúde usar politicamente

Com essas ferramentas, o Executivo faz os parlamentares perderem seu principal instrumento para “fazer política” nos seus colégios eleitorais e assiste ao avanço do governo.

Estabilidade econômica é maior vítima do avanço populista no Congresso

Arthur Wittenberg, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, acredita que a aprovação de “bondades”, como a isenção de imposto de renda e de contas de eletricidade para a baixa renda, não reflete mais força do governo ou consistência da sua base de apoio parlamentar.

“Mesmo abatido pela queda nos índices de aprovação, Lula ganha apoio de grande parte dos senadores e deputados em temas dos quais também se beneficiam diretamente junto ao eleitorado”, explica. “O risco dessa convergência pragmática está na ameaça à estabilidade econômica”, disse.

Para o especialista, o avanço do viés eleitoreiro no Legislativo amplia gastos públicos, abala a credibilidade fiscal e, por tabela, pressiona a taxa de juros. “A tendência é que essa postura ainda menos austera cause danos na economia já neste ano, podendo gerar perdas eleitorais em 2026”, disse.

O governo reconheceu que o país poderá ter colapso fiscal a partir de 2027, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026. O texto prevê expansão contínua de despesas obrigatórias, como salários, aposentadorias e auxílios sociais, e a necessidade de reformas estruturais.

Oposição ainda se mobiliza pela CPMI do INSS e por projeto de anistia do 8 de Janeiro

João Henrique Hummel Vieira, diretor da consultoria Action, observa que o ano está se aproximando de sua metade sem que o Congresso tenha feito votações importantes. Isso deve-se, segundo ele, às indefinições sobre emendas parlamentares e a um cenário em que a atenção dos políticos já está dominada pelas eleições de 2026.

“Há muita ansiedade em torno da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar o roubo de aposentados. No duelo entre governistas, que tentam esvaziar a iniciativa, e oposicionistas, que querem alavancá-la, pesará o papel dos parlamentares no ressarcimento das vítimas”, aposta.

Na Câmara, o líder da oposição, Luciano Zucco, anunciou a coleta de assinaturas para apresentar requerimento de urgência contra o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), decretado pelo governo. Zucco pretende indicar Nikolas Ferreira (PL-MG) como relator da matéria.

A oposição mantém a tática de obstrução para pressionar a votação na Câmara do projeto de anistia aos réus do 8 de Janeiro até o fim de junho. Além disso, busca efetivar o fim da ação penal contra Alexandre Ramagem (PL-RJ), aprovada pela Casa, mas só aceita em parte pelo Supremo Tribunal Federal (STF).





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