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Governo Lula ignora efeitos da Lei Magnitsky no Brasil

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem minimizado os efeitos e danos que a eventual aplicação da Lei Global Magnitsky, iniciativa americana para punir abusos de direitos humanos, pode causar ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e eventualmente a outras autoridades sancionadas em território brasileiro.

Segundo especialistas, embora formalmente as sanções sejam restritas ao âmbito norte-americano, o ministro pode acabar sendo não só impedido de viajar aos Estados Unidos, mas também ficar sem acesso a cartões de crédito e operações financeiras, redes sociais e até contas de e-mail. Isso porque empresas americanas ou com operações nos EUA ficariam impedidas de tê-lo como cliente.

Em teoria, há um cenário em que a lei não impactaria apenas vida privada de Moraes. Isso pode acontecer se o STF ou o governo decidirem tentar forçar empresas que operam no Brasil a descumprir a Lei Global Magnitsky – sob o argumento de estarem em território brasileiro. Essas empresas poderiam sofrer retaliações nos dois países. Isso geraria insegurança jurídica e econômica de forma ampla.

Nesta semana, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, foi convocado pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, onde falou da posição do governo brasileiro. Ele minimizou os efeitos das sanções no Brasil, defendendo que a medida não possui validade extraterritorial, ou seja, fora dos Estados Unidos.

Segundo ele, restrições como bloqueio de bens ou proibição de entrada em território americano são prerrogativas legítimas dos Estados Unidos, mas não geram efeitos jurídicos dentro do território brasileiro. “Essa é uma lei norte-americana aplicada em território norte-americano. Não pode ser aplicada em outro país”, reforçou o chanceler.

Entretanto, especialistas discordam dessa visão. Embora possa não ter efeitos jurídicos no Brasil, a Lei Magnitsky Global tem potencial para gerar consequências práticas em território nacional.

O advogado Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), alerta que a lei pode afetar o funcionamento do sistema financeiro e do mercado brasileiro em relação a Moraes. “É evidente que a Lei Magnitsky não se aplica diretamente no Brasil, mas o simples fato de vigorar nos EUA já confere a ela uma força considerável”, afirmou.

Segundo Módolo, o vigor da legislação americana deriva da posição central dos Estados Unidos na economia global. “Se os EUA determinam que quem fizer negócios com um sancionado também será punido, grandes empresas, como bancos [a maioria dos bancos brasileiros têm operações nos EUA] e as big techs americanas, não podem sequer permitir que essa pessoa tenha uma conta bancária, um cartão de crédito ou um e-mail, sob risco de penalizações”, explicou.

Ou seja, em teoria, Moraes não poderia nem ter um cartão de crédito, pois as operadoras internacionais, como Visa, Martercard ou American Express poderiam ser punidas pelo governo americano.

Ele exemplifica: “Se o Brasil tivesse uma lei equivalente e resolvesse retaliar os EUA, poderíamos proibir que americanos tivessem cartões de bandeira brasileira ou barrar exportações. O problema é que a força da Magnitsky deriva da pujança econômica norte-americana”, reforçou.

Módolo aponta que bancos brasileiros podem ser pressionados. “Se um banco [brasileiro] que também opera nos Estados Unidos decidir manter a conta de uma pessoa sancionada, terá que escolher entre isso ou permanecer integrado ao sistema bancário internacional, controlado pelos EUA”, disse.

Na visão do especialista, embora Mauro Vieira esteja correto ao afirmar que a soberania brasileira impede a aplicação direta da Magnitsky, o ministro, o governo Lula e o sistema judiciário ignoram os efeitos concretos que a legislação produz.

Ele e a economista e analista de mercado Regina Martins levantam a hipótese de que o STF ou autoridades brasileiras ordenem que essas empresas façam negócios ou tenham Moraes e outros eventuais sancionados como clientes como condição para poderem continuar operando no Brasil.

Caso comparável aconteceu quando Moraes exigiu que o X excluísse perfis de brasileiros de sua rede para continuar operando. A empresa acabou tendo suas operações no Brasil suspensas até cumprir a determinação

“Meu receio é que o Brasil acabe pagando o preço”, disse Módolo.

Segundo a economista Regina Martins, se essa hipótese se concretizasse poderia haver risco de algumas empresas decidirem não operar mais no Brasil para não sofrer punições simultâneas aqui e nos Estados Unidos.

“A insegurança política e institucional de um embate internacional desse porte pode gerar efeitos negativos sobre o ambiente de negócios no Brasil, inibindo investimentos estrangeiros, especialmente de empresas norte-americanas, preocupadas com eventuais riscos legais ou reputacionais. Empresas estrangeiras podem adotar posturas mais cautelosas em relação ao Brasil, temendo o agravamento das tensões”, afirma.

O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) disse em entrevista à Gazeta do Povo nesta semana que a eventual aplicação da Lei Magnitsky tem que ser entendida como uma punição somente ao indivíduo Alexandre Moraes e não ao Estado brasileiro.

“É importante esclarecer que o ministro Alexandre de Moraes não é o Brasil. Se Donald Trump eventualmente aplicar alguma sanção, ela será direcionada à pessoa física do ministro, e não ao Estado brasileiro. Isso precisa ficar muito claro”, afirmou o deputado.

Ou seja, os efeitos práticos eventualmente causados ao Brasil como um todo vão depender da reação das autoridades locais.

Para Módolo, as autoridades brasileiras podem ajustar sua resposta visando preservar a sociedade ou entender que “justiça” tem que ser feita a Moraes a qualquer preço. “Muitos governantes que seguiram esse lema sem ponderação acabaram vendo seu poder se esvair. É preciso considerar não apenas o aspecto formal das sanções, mas principalmente seus efeitos reais”.

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Secretário de Estado dos EUA disse que há uma “grande possibilidade” de Moraes ser sancionado

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou mais uma vez nesta semana que há uma “grande possibilidade” de Alexandre de Moraes ser incluído na lista de sanções da Lei Magnitsky.

O motivo central da iniciativa do governo norte-americano são as acusações de que Alexandre de Moraes estaria restringindo a liberdade de expressão e promovendo perseguição política contra opositores. Também pesa o fato de Moraes ter determinado o bloqueio de redes sociais americanas no Brasil, como o caso do X, no ano passado e do Rumble neste ano.

Rubio não descartou que o mesmo ocorra com outras autoridades e pessoas ligadas a elas. Essa legislação impede, por exemplo, que sancionados entrem nos Estados Unidos, obtenham vistos, realizem operações financeiras em dólar, façam negócios ou assinem contratos com cidadãos ou empresas norte-americanas. Além disso, proíbe o uso de cartões de crédito vinculados a instituições financeiras com sede ou com operações nos EUA, o que, na visão do governo americano, causa impacto global.

O constitucionalista André Marsiglia lembra que, além das pessoas efetivamente sancionadas, a lei também pune quem se beneficia da violação, ou seja, núcleos próximos dos sancionados. “E isso não tem nada a ver com ataque à soberania (…) há um efeito extraterritorial”.

O advogado chama a atenção para outro ponto relevante no debate: entidades de classe e membros do próprio Judiciário tentam lançar para o governo federal e ao Itamaraty o problema, como sendo uma violação de soberania, podendo estimular um impasse diplomático na tentativa de forçar os EUA a recuarem. “Parece ser uma estratégia”, considera.

Medida pode ser a primeira adotada contra um país democrático

O cientista político e consultor Leandro Gabriati avalia que a possível aplicação da Lei Global Magnitsky contra Alexandre de Moraes traria efeitos graves ao Brasil, pois seria a primeira vez que a sanção seria aplicada a uma autoridade da mais alta Corte em um país democrático. Todos os demais sancionados até o momento fazem parte de governos ditatoriais, como russos e chineses. Na avaliação do cientista político, isso seria capaz de provocar uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, ainda que temporária.

Gabriati ressalta que, embora o chanceler brasileiro Mauro Vieira tenha minimizado a situação ao afirmar que a lei não produz efeitos no Brasil, pode haver um potencial impasse diplomático. Caso a sanção se concretize, ele acredita que o Itamaraty deverá então se posicionar, podendo até adotar uma estratégia para responder, seja de maneira moderada ou mais contundente.

Embora o momento seja de hipóteses, Gabriati analisa que a decisão ainda está nas mãos do governo americano, mas gerou uma resposta político-institucional do STF com a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Nesta semana Alexandre de Moraes determinou a abertura de um inquérito pelo STF contra o parlamentar licenciado e que está autoexilado nos EUA. Para o especialista, isso indica que o episódio está longe de ser apenas simbólico.

Gabriati destaca que, mesmo sem um ato formal por parte dos Estados Unidos, a diplomacia brasileira “certamente acompanha com preocupação os desdobramentos”. Ele lembra que, na política internacional, a tradição é só reagir a fatos concretos e alerta que, se confirmada, exigirá resposta institucional e diplomática.

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O que é a Lei Magnitsky?

A Lei Magnitsky, que pode ser usada contra Moraes, é uma legislação aprovada inicialmente pelos Estados Unidos em 2012, chamada oficialmente de ” Lei de Responsabilização pelo Estado de Direito Sergei Magnitsky”. Ela foi criada em resposta à morte do advogado russo Sergei Magnitsky, que denunciou corrupção no governo russo e morreu sob custódia em condições suspeitas.

A ideia central da lei é permitir que o governo dos Estados Unidos imponha sanções unilaterais a indivíduos estrangeiros envolvidos em corrupção grave, violações de direitos humanos ou atos de repressão política.

Em 2016, o Congresso dos EUA aprovou uma versão mais ampla: a Lei Magnitsky Global, que estendeu o escopo da legislação para aplicar sanções a violadores de direitos humanos e corruptos de qualquer país do mundo. Se um indivíduo for sancionado sob a Lei Magnitsky, ele enfrentará diversas restrições jurídicas e financeiras, mesmo sem ter qualquer vínculo territorial direto com os Estados Unidos.

É proibido fazer negócios com cidadãos, empresas e bancos dos EUA. Fica praticamente excluído do sistema financeiro internacional baseado em dólar. A aplicação das sanções é administrativa, ou seja, não depende de processo judicial formal nos EUA. As decisões são tomadas pelo Departamento do Tesouro, com participação do Departamento de Estado e, em casos de segurança nacional, do presidente dos EUA.

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