
A Câmara pode intensificar, nesta segunda-feira (16), o confronto entre o Congresso e o Palácio do Planalto ao votar a urgência do projeto que susta o decreto do governo que eleva o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A medida é vista como auge do crescente mal-estar entre o Legislativo e o Executivo diante de tentativas de ajuste fiscal via aumento de impostos.
A urgência foi anunciada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), após reunião com líderes partidários na quinta-feira (12). O próprio Motta resumiu o clima de tensão com os deputados, avessos ao “aumento de impostos com fins meramente arrecadatórios”.
Com a eventual aprovação da urgência, recebendo ao menos 257 votos favoráveis dos 513 deputados, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) poderá ir direto ao plenário, sem passar por comissões — embora o mérito da proposta ainda não seja analisado nesta segunda-feira.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou conter os danos com uma reunião no domingo (15), no Palácio da Alvorada, com Motta, os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), além do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Governo teve de recuar com a pressão da Câmara sobre IOF, mas insiste em aumentar imposto
A movimentação revela a gravidade da crise política instaurada em torno do decreto, já revisto mais de uma vez. Desde a publicação do primeiro decreto, em 22 de maio, que elevava o IOF sobre diversas operações, o governo vem recuando diante das críticas.
O texto original foi parcialmente revogado no mesmo dia, e uma nova versão foi publicada em 11 de junho, “recalibrando” a tributação. A estimativa de arrecadação caiu de R$ 19,1 bilhões para algo entre R$ 6 e R$ 7 bilhões.
Paralelamente, o governo editou medida provisória (MP) com mecanismos compensatórios, válida por 120 dias — mas que corre risco de ser devolvida pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP).
A MP terá relatoria de um parlamentar do PT, mas o partido perdeu a relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que será assumida por Gervásio Maia (PSB-PB). A exclusão de Carlos Zarattini (PT-SP) foi vista como um gesto de Motta para se reaproximar da base conservadora.
Um ato com apoio de 20 frentes parlamentares está previsto para esta segunda-feira (16) no Senado para pressionar Alcolumbre a devolver a MP. Em manifesto, o grupo condena medidas que prejudiquem a produtividade, o emprego e a previsibilidade da economia.
Portaria para dificultar trabalho nos feriados também pode ser alvo da Câmara
Outro foco de desgaste com o Congresso é a portaria 3.665/2023, que restringe a abertura do comércio em feriados sem convenção coletiva. A norma, com vigência prevista para 1º de julho, também pode ser derrubada se não houver novo adiamento.
Segundo o cientista político Leonardo Barreto, as férias do ministro Fernando Haddad (Fazenda), iniciadas nesta segunda-feira e que vão até o dia 22, além da viagem de Lula ao Canadá no mesmo dia, podem fazer parte da estratégia de arrefecer a tensão com o Congresso. Mesmo assim, ele alerta para a crescente insatisfação na base, com risco de mais de 300 deputados votarem contra o governo no caso do IOF.
Barreto observa que a relação entre Lula e Hugo Motta está fragilizada, conforme acena o próprio líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “Motta tenta manter a sua base alinhada, mas sofre pressão pela liberação de emendas e pela má recepção à ideia de que a Câmara teria aceitado aumento de impostos”, acrescenta.
Embora busque se equilibrar entre acenos ao Planalto e à base conservadora, Motta ainda não rompeu com Lula. “Há no baixo clero a percepção de que ele quer manter boa relação com o Executivo”, afirma o especialista.
IOF: Governo quebra promessa de não elevar ou criar impostos após reforma tributária
A crise atual também expõe promessas descumpridas feitas durante a tramitação da Reforma Tributária, quando o governo assegurou que não haveria aumento de carga. Para o diretor do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Gonçalves, o decreto do IOF virou símbolo do descontentamento com a equipe econômica, especialmente com Haddad, acusado de usar medidas infralegais para elevar a arrecadação.
“A ideia de um ‘tarifaço’ disfarçado, que contradiz o discurso de responsabilidade fiscal, não foi digerida”, diz Gonçalves. Ele prevê que o avanço do projeto contra o IOF pode abrir caminho para novas derrotas do governo em pautas fiscais num ano pré-eleitoral.
Clima de insatisfação na Câmara pode desencadear outras reações, diz especialista
João Henrique Hummel Vieira, da consultoria Action, destaca que o acordo costurado no domingo anterior (8) na residência oficial da Presidência da Câmara não se sustentou. “Na segunda, o clima já era outro. Houve reação do baixo clero e do setor produtivo. Motta e Alcolumbre dependem do apoio do Congresso, não do governo”, frisou.
Vieira critica a estratégia do Planalto de restringir emendas e enfraquecer os presidentes da Câmara e do Senado. “Isso criou um ambiente político complicado. A federação PP-União e, depois, o MDB se posicionaram contra o aumento de impostos. E o governo, isolado, se vê com apenas 110 votos — número insuficiente para barrar qualquer ofensiva.”
O especialista prevê que a insatisfação deve crescer ainda mais com a possibilidade de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o escândalo do INSS e a derrubada de vetos presidenciais. “O barco está afundando? Quem vai sair primeiro?”, questiona.