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Hugo Motta não quer embate da Câmara com o STF

Mesmo pressionado por parte dos parlamentares, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem sinalizado aos seus pares que não pretende adotar uma postura de embate contra o Supremo Tribunal Federal (STF). A Casa retoma as atividades nesta semana em meio à expectativa do julgamento no plenário da Corte sobre o recurso do caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Motta impetrou na semana passada um recurso sobre a questão, depois que a Primeira Turma do STF restringiu a decisão da Câmara que trancava a ação penal contra Ramagem no caso da suposta tentativa de golpe de Estado. A medida beneficiaria ainda os outros réus denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PRG), incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Apesar disso, a advocacia da Câmara recuou em relação aos demais réus e o pedido de recurso deixa explícito que a suspensão é “exclusivamente” para o processo a que Ramagem responde. Nos bastidores, aliados de Motta admitem que o recuo em relação aos demais réus foi uma forma de o presidente da Câmara evitar novos embates com o STF.

Antes de o pedido de suspensão ser analisado pelos deputados, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, e o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, já haviam se manifestado no sentido limitar apenas o processo de Ramagem nos crimes suspostamente cometidos antes da diplomação. A restrição da suspensão somente ao deputado se baseia numa súmula do STF (decisão que consolida uma jurisprudência) segundo a qual “a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” (súmula 245).

Na decisão, a Primeira Turma definiu também que apenas os crimes relacionados aos danos materiais, vinculados aos atos de 8 de janeiro de 2023, ficam suspensos até o fim do mandato do parlamentar. São eles: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União; deterioração de patrimônio tombado. Dessa forma, Ramagem continuou réu pelos crimes de organização criminosa; golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

A manifestação dos ministros, no entanto, não foi levada em consideração pelo relator do projeto na Câmara, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL). Em seu relatório, o parlamentar justificou que a suspensão deveria ser estendida para todos os réus denunciados na mesma ação de Ramagem. Na Casa, 315 deputados foram favoráveis à suspensão e 143 votaram contra.

Agora, o recurso apresentado pela advocacia da Câmara, chancelado por Hugo Motta, pede que o caso seja analisado pelo plenário do STF. “É um direito de um poder que tem uma decisão desfeita por outro poder recorrer, já que a vontade foi majoritária da Câmara, para que o plenário desse outro Poder possa tomar a decisão, e não apenas a turma em uma sessão virtual. Foi isso que nós fizemos apresentar o recurso, para que o plenário do Supremo possa decidir sobre o assunto. A decisão da Câmara foi tomada e apoiada por mais de 300 deputados”, disse Motta aos jornalistas.

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A relação e as pautas de interesse de Motta no STF 

O presidente da Câmara esteve na última semana em Nova York, nos Estados Unidos, onde participou de um fórum com empresários. O evento contou ainda com a presença do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, com quem Motta tratou sobre o caso Ramagem. 

Pelas redes sociais, Motta chegou a questionar a decisão da Primeira Turma e afirmou que “a harmonia entre Poderes só ocorre quando todos usam o mesmo diapasão e estão na mesma sintonia”.

No entanto, publicamente, o presidente da Câmara negou que o recurso apresentado pela advocacia da Câmara fosse um embate com o STF e disse que os dois Poderes têm uma “boa relação”, marcada por diálogo e respeito. “Não vejo isso como um embate. É a Câmara defendendo o direito dela acerca de um parlamentar. Apenas isso”, completou.

Líderes partidários do Centrão, ouvidos pela reportagem, avaliam que o presidente da Câmara usou o episódio do caso Ramagem para fazer um aceno ao próprio Legislativo, incluindo a oposição, liderada pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. Motta chegou a ser criticado por esses deputados diante da resistência em avançar com projetos como da anistia aos presos do 8 de janeiro, por exemplo. 

Por outro lado, a expectativa entre os seus aliados é de que Motta não faça um “embate” direto com o Judiciário por conta do episódio do caso Ramagem. Desde que chegou ao comando da Câmara, Motta tem buscado dialogar com o STF para tentar destravar pautas de interesses dos principais líderes do Centrão, como por exemplo as emendas parlamentares.  

Esses recursos, destinados pelos deputados e senadores aos seus redutos eleitorais, chegaram a ser alvos de bloqueios por parte do ministro Flávio Dino, e os pagamentos só foram retomados após um acordo com o Judiciário. O tema, no entanto, segue em discussão dentro da Corte. 

Dino marcou para 27 de maio uma audiência para discutir a constitucionalidade das emendas parlamentares impositivas. Ou seja, aquelas que são de execução obrigatória por parte do governo federal.

Uma ação impetrada pelo Psol questiona mudanças introduzidas desde 2015, quando começou a ser implementado o modelo de emendas impositivas. Na petição, o partido de esquerda argumenta que o atual modelo transfere ao Congresso o controle do Orçamento, esvaziando a função do Executivo.

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Em 2025, por exemplo, o Orçamento prevê R$ 50 bilhões para as emendas parlamentares, sendo R$ 38,9 bilhões impositivas. “O tema das emendas parlamentares e sua impositividade reveste-se de inegável relevância do ponto de vista social, econômico e jurídico. Trata-se de discussão que envolve a interpretação do postulado da separação dos Poderes, assim como do direito fundamental ao devido processo orçamentário e do conjunto de normas que compõe a chamada ‘Constituição Financeira'”, escreveu Dino no despacho.

Dentro do Congresso, a questão das emendas parlamentares é vista pelos líderes partidários como prioritária e de maior potencial de gerar embates contra o STF. Um dos projetos que está na gaveta da Câmara, por exemplo, é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas dos ministros da Corte. 

O projeto, já passou pelo Senado, e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no ano passado, ainda sob a gestão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência. Agora, para ir ao plenário dos deputados, o texto ainda precisa passar por uma Comissão Especial, que depende do aval de Hugo Motta.

A PEC é vista por seus defensores como uma tentativa de equilibrar o jogo de forças entre o Judiciário e o Legislativo, que tem acumulado atritos nos últimos anos. Motta, contudo, ainda não sinalizou que pretende destravar o andamento da proposta. 

“[A PEC] é uma revalorização deste Poder Legislativo e do mandato parlamentar. Não é razoável numa democracia que uma única pessoa utilize-se do poder de uma caneta para desfazer a decisão de todo um Congresso Nacional”, defendeu o deputado Marcel Van Hattem, líder do Novo e relator do projeto na Câmara.

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Projeto de Motta para aumentar número de deputados na Câmara pode ser questionado no STF 

Além do caso das emendas parlamentares, Motta tenta viabilizar a aprovação de um projeto para ampliar de 513 para 531 o número de deputados federais. O texto já passou pela Câmara e agora precisa ser analisado pelo Senado. Mas a medida deve enfrentar resistência, já que um grupo de senadores – da oposição e da base governista – já disseram à Gazeta do Povo que irão trabalhar para travar o andamento desse projeto.

A Constituição estabelece que o número de deputados deve ser proporcional à população, respeitando o limite mínimo de 8 e o máximo de 70 por unidade da federação. O cálculo é feito com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE.  

A necessidade de rever a distribuição de cadeiras surgiu após decisão, em agosto de 2023, do STF ao acatar uma ação do governo do Pará, que apontou omissão do Legislativo em atualizar o número de deputados de acordo com a mudança populacional, como previsto na Constituição. A Corte deu prazo até 30 de junho para o Congresso aprovar a redistribuição de vagas de acordo com o Censo de 2022, sob pena de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizá-la.  

Caso fosse acatada a nova divisão de acordo com os dados do Censo de 2022, estados como a Paraíba, do próprio Motta, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, por exemplo, perderiam cadeiras a partir da próxima legislatura. Para contornar a regra, o presidente da Câmara passou a costurar o projeto que amplia o número de vagas dentro da Casa.

A manobra de Motta chegou a ser criticada por parlamentares contrários ao texto. Segundo Kim Kataguiri (União-SP), por exemplo, o projeto “faz uma acomodação de interesses, para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”.

“O que esta Casa está aprovando é um texto inconstitucional, é um texto que muito provavelmente vai ser derrubado amanhã pelo Supremo Tribunal Federal. Depois vai haver gente reclamando de intervenção do Supremo. A gente está aumentando uma distorção que já existe, descumprindo o texto da Constituição, piorando a representação e ainda aumentando o número total de Deputados Federais”, argumenta Kataguiri.





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